Sumário Executivo

Sumário Executivo

O MonitorA surgiu com objetivo de entender como ocorriam as violências contra candidatos e candidatas nas eleições municipais de 2020. Na edição de 2020, identificamos que a violência política na internet se direciona de forma bastante específica a determinados grupos sociais marcados principalmente por gênero, raça, sexualidade e geração, impactando especialmente o exercício da vida política de mulheres, pessoas negras, idosos(as) e LGBTQIAP+. De acordo com os resultados da primeira edição, as candidatas mulheres não são criticadas por suas ações políticas, mas por serem quem são ou por não agirem como supostamente deveriam agir.  Comumente, os ataques sofridos reduziam a capacidade intelectual das candidatas, questionavam o caráter de suas vidas privadas e teciam comentários gordofóbicos, racistas e misóginos sobre seus corpos. Por outro lado, os homens, com exceção de não-brancos, idosos, trans e gays, não eram lidos a partir das mesmas chaves, os comentários tinham como foco suas ações políticas e o questionamento de suas ideologias.

De 2020 para cá, a violência política de gênero seguiu sendo um problema que atinge as mulheres que atuam politicamente, assim como, um tema a ser enfrentado. Os cenários legislativo e político, no entanto, mudaram. Foi aprovada a Lei de Violência Política de Gênero (Lei nº 14.192/2021) e o crime de violência política passou a ser tipificado pela Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito (Lei nº 14.197/2021), as discussões sobre violência política ganharam força no debate público, com participação tanta das(os) candidatas(os), como de outros atores sociais importantes: como terceiro setor, plataformas e os próprios partidos políticos.

Diante desse novo contexto, o objetivo do monitoramento mudou: na sua segunda edição, o MonitorA não precisava demonstrar que o problema da violência política de gênero existia, mas era necessário observá-lo e complexificar o que tínhamos a dizer sobre ele. Para isso, em 2022, fomos guiadas pelos seguintes questionamentos:

  1. Como defender a possibilidade de que políticas e políticos continuem sendo cobrados sem, com isso, achar legítimo que candidatas(os) sofram assédios, violências de cunho psicológico e misógino, ou de outros tipos?
  2. Toda linguagem hostil direcionada às candidatas e candidatos é violência política? Ou às vezes podemos estar diante de uma ofensa que é moral, podendo ser considerada um ataque, mas não se tratando de violência política necessariamente?
  3. Todos os comentários hostis e potencialmente danosos devem ser removidos das plataformas?
  4. Como diferenciar um ataque de um insulto, ainda que o insulto possa ser repetido massivamente podendo, além de soar desrespeitoso, trazer consigo também a possibilidade de dano?
  5. Como garantir que eleitores e eleitoras possam demonstrar descontentamento em relação às candidaturas e, ao mesmo tempo, garantir a segurança e integridade das(os) candidatas(os) e do processo democrático?

Metodologia

Classificação de conteúdo ofensivo

Para responder a essas perguntas e complexificar as análises sobre a violência política de gênero na internet, o MonitorA 2022 trouxe uma mudança metodológica sobre o que consideramos conteúdo ofensivo. Neste ano, passamos a diferenciar o que consideramos ataques e insultos. A distinção entre as duas categorias que usam linguagem hostil nos permitiu delimitar quais são os conteúdos que ultrapassam os limites da liberdade de expressão, transformando o ambiente político em um cenário inóspito para a entrada e permanência de candidatos, e especialmente, de candidatas na política institucional.

Por insultos, consideramos conteúdos que têm como característica linguagem hostil, mas que não são ataques propriamente, ainda que possam ser considerados mais duros do que uma simples crítica. Entre os conteúdos classificados como insultos, não conseguimos notar critérios que se associem diretamente às desigualdades de gênero, raça, região, religião ou sexualidade. Ou seja, eles são utilizados de forma semelhante para homens e para mulheres, para pessoas brancas, indígenas e negras, para pessoas trans e cis. Acreditamos que, a princípio, os insultos não devem necessariamente ser removidos pelas plataformas.

Por outro lado, ataques têm como característica a tentativa de inferiorização de candidatas e candidatos. Muitas vezes, empregam-se termos historicamente agressivos contra pessoas pertencentes a grupos historicamente marginalizados, como mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. Consideramos que ataques devem ser removidos das plataformas.

A definição de insultos e ataques não deve levar à compreensão de que insultos devem ser naturalizados no jogo político. Insultos repetidos massivamente podem ter impactos contundentes na decisão de candidatos(as) continuarem ou não na política institucional, principalmente para as mulheres. Um ataque isolado, por outro lado, pode ter um efeito menor do que insultos publicados massivamente.

Ressalta-se, ainda, que tal diferenciação aplica-se a figuras políticas, isto é, pessoas que se candidatam ou que atuam na política institucional e que, portanto, ocupam um lugar central no próprio funcionamento da democracia.

Coleta de dados

O MonitorA 2022 adotou uma abordagem multi-métodos, com diferentes frentes de pesquisa. Além do monitoramento das candidaturas no  Twitter, Instagram, Facebook e YouTube, com base em um léxico de termos ofensivos, foi realizada também uma netnografia no TikTok e um monitoramento dos casos de violência política de gênero ajuizados durante a campanha eleitoral.  

Para o monitoramento da violência política de gênero nas redes sociais, selecionamos 198 perfis de candidaturas, entre mulheres e homens de todas as regiões do país, para os cargos às Câmaras Estaduais e Federal, Senado, Presidência e Vice-Presidência . Escolhemos candidatas(os) que se distribuíssem entre diferentes pertencimentos étnico-raciais, idades, identidade de gênero, orientação sexual, regionalidades e posicionamentos ideológicos diversos. O monitoramento foi realizado por meio da coleta de postagens, de comentários e de outras interações realizadas pelos usuários, no Twitter, Instagram, Facebook e YouTube. A coleta foi realizada de forma automatizada, por meio de programação com linguagem Python. Os dados coletados foram filtrados a partir de um léxico de termos ofensivo, construído e atualizado a partir de experiências anteriores de pesquisa, e refinado a partir dos dados coletados nesta edição do projeto.

Ao total, foram coletadas 1.697.774 tuítes; 892.500 comentários no Instagram; 167.095 comentários no YouTube; e 65.761 comentários no Facebook. Esses dados foram filtrados com base no léxico de termos ofensivos e, posteriormente, analisados manualmente.

Em relação a netnografia, foi contratada a consultoria de Lux Ferreira, que focou-se nas narrativas, padrões de produção de conteúdo, mobilizações de ferramentas próprias e reações de demais usuários, em dinâmicas de interação por comentários na plataforma de compartilhamento de vídeos curtos.

Por fim, foi realizado um monitoramento sobre a aplicabilidade e efetividade da Lei de Violência Política de Gênero durante as eleições de 2022 realizadas pelo Núcleo de Inteligência Eleitoral.

Os dados encontrados

Abaixo, trazemos as principais conclusões deste relatório:

  • Com base da etnografia do TikTok, notamos que, se em outras redes sociais como o Twitter, ofensas feitas a candidatas e personalidades políticas em seus posts e perfis são recorrentes, o funcionamento do algoritmo do TikTok tende ao contrário - apresentar conteúdo a pessoas que concordam com ele em sua área For You, não sendo tão afetado por empreitadas de condução de temas e pessoas ao trending topic como no Twitter. Com isso, discordâncias e ofensas são mais escassas na plataforma de vídeos curtos, e se limitam a declarações de voto.
  • Michelle Bolsonaro e Janja Lula da Silva, embora não fossem candidatas, configuram-se como figuras de extrema relevância nas eleições à Presidência da República. Para entender como a violência política atingia às então postulantes à primeira-dama, na semana que antecedeu e na semana seguinte ao primeiro turno das eleições (entre os dias  26/09 e 09/10), monitoramos os perfis no Twitter e Instagram de Janja e o perfil no Instagram de Michelle. Ao analisar o conteúdo ofensivo dirigido às esposas dos candidatos, notamos que a religiosidade e noções de moralidade deram a tônica das narrativas ofensivas contra Janja e contra Michelle no Twitter e no Instagram. Nos comentários com conteúdo hostil direcionados à Michelle, a religião aparece principalmente atrelada à moralidade, a um dever-ser religioso que acusam a ex-primeira-dama de não alcançar. Michelle é compreendida, segundo essas narrativas hostis, como uma pessoa que usa o nome de Deus em vão, como uma mulher que não age como uma mulher evangélica deveria agir. Os comentários com teor religioso mais hostis são aqueles que fazem referência à presença de Bolsonaro em uma loja da maçonaria. Ao analisarmos as narrativas hostis direcionadas à Janja, é notável um grau de agressividade bastante superior. Os ataques e insultos publicados contra a primeira-dama concentram-se, principalmente, na intolerância religiosa contra religiões de matriz africana. Essa intolerância ganha contornos misóginos, em casos que fazem referência à pombagira de forma pejorativa e à vida sexual de Janja. Esses casos demonstram que a violência política não se restringe àqueles que concorrem aos cargos, podendo atingir pessoas diretamente ligadas aos candidatos(as).
  • Candidatos homens pertencentes a grupos historicamente marginalizados também podem ser alvo de violência política. Essa violência se manifesta a partirde marcadores sociais da diferença - como idade, ser GBT+ ou não-brancos. Essa dinâmica demonstra uma diferença relevante entre candidatos e candidatas, pois, diferentemente das mulheres, os homens aqui analisados não foram atacados por serem homens, e sim, por pertencerem a outros grupos minorizados. Analisamos, para exemplificar a situação, os perfis dos candidatos Kim Kataguiri e Fernando Holiday. No caso de Kataguiri, os comentários ofensivos giravam em torno de sua descendência japonesa, que foi reiteradamente trazida como um aspecto negativo, pautando comentários estereotipados e derrogatórios em relação a aspectos culturais dessa comunidade. Já o candidato Fernando Holiday era frequentemente atacado pelas posições políticas que defendia enquanto um homem negro, ou seja, grande parte das ofensas buscavam apontar, por meio de um vocabulário racista, supostas incongruências entre o discurso de Holiday e seu pertencimento étnico-racial.
  • A expressão “você é uma vergonha” teve grande incidência nas coletas, aparencendo em diferentes discursos, como “você é uma vergonha para os negros”; “você é uma vergonha para as mulheres” etc. Vale lembrar que esse tipo de narrativa não se deu sem contexto. Durante o debate presidencial do dia 28 de agosto de 2022, o então candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) atacou a jornalista Vera Magalhães, afirmando que ela era “uma vergonha para o jornalismo brasileiro”. A utilização de mecanismos da vergonha configura uma prática comum nos ataques misóginos, podendo ser, ainda, associada ao descrédito, pois comentários deste teor são muitas vezes associados a alegações como  “você não vale nada”, reiterando a intenção de desmerecer e inferiorizar o alvo do comentário.
  • As eleições de 2022 tiveram a maior participação de candidaturas trans já registrada.  O MonitorA acompanhou as redes sociais de 11 das 78 candidaturas registradas nesse pleito eleitoral, analisando tanto os conteúdos ofensivos, como as principais narrativas que se construíam sobre essas candidatas. Observamos que grande parte do debate político que candidatas trans e travestis tentaram travar nas redes sociais durante a campanha eleitoral acabou sequestrado por conflitos ideológico-partidários, violência política, debates sobre segurança pública e disputas sobre representatividade de grupos historicamente minorizados. Pautas relacionadas a questões importantes para as candidatas, portanto, não conseguiam chegar no diálogo político quando se relacionavam a questões lidas como “identitárias”.  As interações de usuários com as candidatas reproduzem o cenário de polarização política nacional, sendo a defesa de partidos e candidaturas progressistas a principal chave dos ataques às mulheres trans que tentavam cargos no Legislativo. Tal fato fez com que os comentários transfóbicos se tornassem uma camada adicional de violência, opondo-se às mensagens de apoio e acolhimento às candidatas, que  representaram parte importante das interações.
  • Em relação ao monitoramento da aplicabilidade e o nível de eficácia da Lei de Violência Política contra a mulher durante o período eleitoral, identificamos óbices, tanto para o acesso aos dados, quanto na efetivação da lei para proteção das candidaturas de mulheres. A partir de buscas no PJe e na consulta unificada do TSE, foram identificados apenas doze casos, ajuizados durante o período eleitoral: quatro deles relacionados a irregularidades cometidas pelos partidos, e oito de casos de assédio ou ameaças direcionadas a candidatas, ou mandatárias. O número de casos identificados foi inferior àquele que suponhamos que encontraríamos, posto que, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos últimos 15 meses foram registrados 7 casos de  violência política de gênero a cada 30 dias. Para confirmar o número de casos ajuizados, enviamos ofícios ao  TSE e ao MPF, com solicitações sobre o número de denúncias envolvendo violência política em razão de gênero. O TSE negou acesso, por risco de infração à LGPD. Já o MPF encaminhou relatório com  62 casos que tramitam no órgão. No entanto, esses casos não puderam ser analisados, porque, atualmente, não existe um sistema que permita acompanhar o processo integralmente com acesso a informações mais detalhadas.
  • Dentre os casos identificados, a maior parte não fazia referência específica à violência política de gênero na internet. Dos 12 casos encontrados, 4 deles referiam-se a irregularidades de distribuição de fundo partidário. Essas ações versam sobre três temas: competência para o julgamento desses casos, investigação de candidatura fictícia para cumprimento do percentual mínimo exigido por lei de candidatas mulheres, irregularidade na distribuição de cargos a uma deputada federal, e ausência de repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha a candidaturas femininas. Foram identificados oito casos que envolviam ataques ofensivos a candidatas mulheres com base legal do art. 326-B do Código Eleitoral. Desses, quatro casos envolviam violência política de gênero em ambientes presenciais durante a condução da campanha eleitoral. Apenas um dos processos identificados ocorreu em plataformas digitais. Os outros três casos ainda estão em fase de investigação, com instauração do inquérito e da notícia crime. Por estarem em estágio inicial, até a publicação deste relatório não foi possível ter acesso detalhado às informações dos processos.
  • Apesar da indiscutível conquista a partir da promulgação de uma Lei destinada a olhar e cuidar especificamente das candidaturas de mulheres, com intuito de assegurar o espaço dessa parcela da população nos pleitos eleitorais, tornou-se evidente que o cenário atual não corrobora com a efetividade pretendida. A pluralidade de canais aptos a receber denúncias de violação da legislação dispersa notícias de crimes por parte das vítimas. A  consequência é o atraso na instauração e andamento de investigações durante o curto período eleitoral. Ainda, não identificamos  casos entre 16 de agosto de 2022 e 30 de outubro de 2022 (período eleitoral do ano de 2022) cuja investigação tenha sido concluída e ensejando ação penal eleitoral perante a justiça. Ou seja, ainda que as vítimas tenham denunciado as eventuais violências sofridas no período eleitoral de 2022, nenhuma delas terá efetivamente o amparo legal trazido pela Lei 14.192/21, pois o procedimento atual não é célere o suficiente para assegurá-lo.

Recomendações

Reunimos, a partir de um olhar direcionado aos grupos historicamente subalternizados, e com base nos dados coletados durante as eleições de 2022, 13 recomendações aos setores envolvidos que nos permitem vislumbrar um caminho de combate, prevenção e acompanhamento da violência política:

Plataformas e Provedores de Aplicação de Internet

  1. Compromisso com o desenvolvimento de políticas e diretrizes de uso protetivas em face da violência política;
  2. Aprimoramento das práticas de acesso a dados e de transparência para pesquisadoras/es;
  3. Compromisso com a aplicação protetiva e a transparência das políticas e diretrizes de uso;
  4. Aprimoramento de políticas destinadas a pessoas públicas e a pessoas com cargos políticos;
  5. Aprimoramento dos canais de denúncias internos das plataformas;

Legislativo

  1. Aprimoramento da legislação sobre violência política de gênero, com inclusão de medidas protetivas para Lei de Violência Política de Gênero e de responsabilização de partidos;

Judiciário e Ministério Público

  1. Aprimoramento dos canais de busca e mecanismos de transparência;
  2. Coleta e compilação de dados sobre violência política de gênero;
  3. Ministério Público: aprimoramento dos canais de denúncia;
  4. Construção de estratégias, no âmbito da Justiça Eleitoral, para o enfrentamento à violência política e à desinformação baseada em gênero;

Executivo

  1. Inclusão do enfrentamento à violência política como parte da agenda governamental;

Partidos Políticos

  1. Melhorar ferramentas de apoio às candidatas em casos de violência política, criar mecanismos de denúncia e responsabilização interna;

Sociedade Civil

  1. Criar e fortalecer redes sobre eleições e violências (política e eleitoral, de gênero, de raça etc.).