Insultos versus ataques: quando o conteúdo deve ser retirado das plataformas?

Por insultos, consideramos conteúdos que têm como característica linguagem hostil e desrespeitosa, mas que não são ataques propriamente, ainda que possam ser considerados mais duros do que uma simples crítica. Entre os conteúdos classificados como insultos, não conseguimos notar critérios que se associem diretamente às desigualdades de gênero, raça, região, religião ou sexualidade. Ou seja, eles são utilizados de forma semelhante para homens e para mulheres, para pessoas brancas, indígenas e negras, para pessoas trans e cis.

Tratam-se, portanto, de termos comuns aos diferentes perfis de candidaturas. Neles, encontramos palavras que intensificam as críticas e o descontentamento que as e os usuários sentem em relação às e aos candidatos. Acreditamos que, a princípio, os insultos não devem necessariamente ser removidos pelas plataformas. Por mais que possam criar climas hostis, eles podem, ao mesmo tempo, permitir que eleitoras e eleitores cobrem candidatos e candidatas. Insultos como “ladra” ou “ladrão”, por exemplo, podem estar relacionados a uma queixa ou exigência baseada em uma suspeita de corrupção. Candidatas(os) e políticas(os) podem e devem ser cobradas(os) por usuárias(os).  

Os ataques, por outro lado, têm como característica a tentativa de inferiorização de candidatas e candidatos. Muitas vezes, empregam-se termos historicamente agressivos contra pessoas pertencentes a grupos historicamente marginalizados, como mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. Há também a possibilidade de que os ataques usem ofensas morais para se referir às candidatas e candidatos. Essas ofensas, dependendo do contexto, podem também ser consideradas ataques.

No caso dos ataques, os discursos produzidos criam um ambiente hostil e, muitas vezes, desmotivam que algumas pessoas atuem na política institucional, ou influenciam o modo como terceiros(as) leem, principalmente, as candidatas mulheres. Os ataques tendem a ser feitos em público. A humilhação de uma candidata e a tentativa de manchar a sua imagem são formas de tentar afastá-la do cenário político. Aqui, é comum lançar mão de artifícios como desumanização, ofensas de cunho sexual, assédio, apontamento de supostos defeitos morais, ataques à ideologia política ou religiosa, descrédito intelectual, incitação à violência física e ameaças, além de gordofobia, transfobia, lesbofobia, misoginia, homofobia, bifobia, capacitismo e racismo. Acreditamos, assim, que os ataques devem ser retirados das plataformas.

Desinformação, misoginia e violência política de gênero
As estratégias para inferiorizar candidatas, antes, durante e após o pleito eleitoral, são muitas: vão de ataques e ameaças diretas até violências mais sutis, como o compartilhamento de conteúdo desinformativo ou informações descontextualizadas, por exemplo. O uso da desinformação para inferiorizar e atacar candidatas é reconhecido pela Lei de Violência Política de Gênero, que alterou o art. 323 do Código Eleitoral, que tipifica a divulgação de fato sabidamente inverídico, para incluir como causa de aumento de pena se a desinformação envolver “menosprezo ou discriminação à condição de mulher, ou à sua cor, raça ou etnia” (art. 323, §2º, II). A desinformação direcionada a candidatas, muitas vezes, operacionaliza discursos misóginos, compartilhando informações falsas e/ou descontextualizadas sobre suas vidas privada, corpos, sexualidades, capacidades intelectuais e políticas, com o objetivo de inferiorizá-las e manchar a imagem política e pessoal.

É preciso considerar ainda que diferentes tipos de ataques podem se sobrepor em um mesmo discurso, atingindo as(os) candidatas(os) de diferentes formas. Um exemplo é quando alguém é chamada(o) de “evanjegue”, termo que apareceu algumas vezes nesta edição. Nesse caso, temos uma mistura de ataque à ideologia religiosa e desumanização. Em “puta comunista”, encontramos a sobreposição de misoginia e ataque político ideológico. Comunista, isoladamente, não seria considerado um ataque nem um insulto, mas quando “comunista” e “puta” são articulados, compreendemos que há aí um ataque, porque há associação entre posicionamento ideológico e um ataque misógino. O mesmo seria válido para “conservadora vagabunda”. “Vagabunda” nesse caso, entraria na categoria “ofensa sexual”, mas apenas esta categoria não seria suficiente para compreender o que está sendo dito, afinal, “vagabunda” se articula com “conservadora”, tratando-se assim de uma ofensa sexual e ideológico-política. É preciso, portanto, considerar as articulações que podem surgir entre um e outro tipo de ataque.

As categorias de insultos e ataques são apenas um recorte metodológico que nos permitiu delinear caminhos possíveis para significar diferentes níveis de hostilidade que se colocam nas redes sociais ou, em outras palavras, o que acreditamos que deve ser retirado ou permanecer nas plataformas. Na prática, no entanto, ataques e insultos não são necessariamente autoexcludentes. Um mesmo tuíte ou comentário pode conter tanto insultos quanto ataques. Para a classificação dos conteúdos hostis, elaboramos um guia em que definimos termos potencialmente ofensivos como “ataque” ou “insulto”. Quando um termo era considerado ataque, registrávamos também qual tipo de ataque era aquele. É preciso dizer que os tipos de ataque também podem variar com o contexto.  

Esse guia, no entanto, era questionado e classificações modificadas quando compreendíamos que um comentário ou tuíte não era suficientemente claro para quem o estava analisando. Se havia dúvidas se era ou não possível enquadrá-los nas classificações que pensamos anteriormente, debatíamos entre a equipe da pesquisa. Algumas variações precisavam ser pensadas caso a caso, o que nos fez consultar umas às outras durante todo o processo da pesquisa. As diversas consultas e variações, assim como debates em torno dos significados, alertavam para o quanto as classificações entre o que é ou não um ataque ou insulto podem ser cultural e subjetiva. Aqui, o velho alerta do quanto o contexto importa continua se colocando de forma incisiva.

Enquanto tipos ideais, no entanto, as diferenciações entre insulto e ataque foram importantes para pensarmos o que, a princípio, deve ou não ser removido das plataformas.

Seguem alguns exemplos de termos e suas classificações:

Termo É ataque ou insulto? Tipo de ataque
aberração ataque Inferiorização
abortista ataque Ideologia política
aleijada ataque Capacitismo e/ou Psicofobia
analfabeta(o) ataque Descrédito Intelectual
bicha ataque Homofobia
corrupta(o) insulto N/A
covarde insulto N/A
volta para a cozinha/ vai lavar a louça/ vai lavar roupa ataque Misoginia
dar o rabo ataque Ofensa/Assédio Sexual
demônia ataque Ideologia religiosa
escória ataque Inferiorização
fala merda insulto N/A
falsa/dissimulada insulto N/A
histérica ataque Misoginia
incompetente/despreparada insulto N/A
ladra/bandida insulto N/A
lixo/porcaria ataque Inferiorização
louca/doida/maluca ataque Misoginia
macaca ataque Racismo
macumbeira ataque Ideologia Religiosa
mal amada/ mal comida ataque Misoginia
maldita insulto N/A
marica ataque Homofobia
mentirosa/desonesta insulto N/A
merda insulto N/A
meter uma bala ataque Incitar violência/ Ameaçar
múmia ataque Etarismo
nojo/nojenta/asquerosa ataque Sentir nojo
palhaça insulto N/A
peppa pig ataque Desumanização
pilantra/picareta insulto N/A
pomba gira ataque Ideologia Religiosa
porca ataque Desumanização
puta ataque Misoginia
queima rosca ataque Homofobia
ridícula/patética insulto N/A
suja/imunda ataque Sentir nojo
traveco ataque Transfobia
vaca ataque Desumanização
vagabunda ataque Misoginia
vai se foder (e variações) insulto N/A
velha ataque Etarismo
viadinho ataque Homofobia

2. Por ofensas morais compreendemos aqueles comentários de teor hostil que mobilizam noções de moralidade. Essas ofensas morais buscam insultar candidatas e candidatos com base em suposições sobre o que é ser ou não ser uma boa pessoa, uma boa mãe, uma boa mulher, uma boa política e sobre expectativas que elas deveriam (ou não) atender. São exemplos de ofensas morais termos como “drogada/o”, “ladra/ão”, “maconheira/o”, “má mãe/mau pai” etc.