Zonas cinzas: nem tudo cabe entre insultos e ataques
A definição de insultos e ataques não deve levar à compreensão de que insultos devem ser naturalizados no jogo político. Insultos repetidos massivamente podem ter impactos ainda mais contundentes na decisão de candidatos(as) continuarem ou não na política institucional, principalmente para as mulheres. Um ataque isolado, por outro lado, pode ter um efeito menor do que insultos publicados massivamente.
A exclusão de conteúdos por meio da moderação não é, portanto, a única saída a ser adotada pelas plataformas ou exigida por estudiosos(as) do tema. A maior autonomia de usuários(as) e ações proativas das plataformas deve ocorrer articuladamente sempre que possível. Um bom exemplo acontece no Instagram e no Twitter, que permitem que usuárias(os) coloquem filtros de palavras que não gostariam de ler em seus perfis.
Ademais, é preciso considerar o que parece extrapolar tanto a noção de ataque quanto a de insulto. Um dos modos comuns de ofender as candidatas, na edição de 2022, foi fazer apontamentos morais às candidatas. Alguns termos que encontramos com recorrência foram “drogada”, “maconheira” e “imoral”. Como vemos, eles não têm uma relação a termos direcionados comumente para pessoas que pertencem a grupos historicamente marginalizados, e por essa razão, parecem ser categorias que poderiam ser empregadas contra qualquer candidata ou candidato, independentemente do gênero, raça e/ou etnia, sexualidade etc.
A princípio, tendíamos a pensar que ofensas morais não deveriam ser retiradas da internet, assim como insultos. Depois, pensamos no tipo de impacto que ofensas dessa ordem podem ter na vida de candidatas(os). Considerando que, nos últimos anos, vivemos no Brasil um processo de constante moralização e julgamento dos modos de vida, característica dos momentos em que governos de extrema-direita conquistam o poder, é válido desconsiderar o impacto de ofensas morais - principalmente quando massivas - na vida de figuras políticas?
A resposta não é simples. Acreditamos que parte das ofensas morais poderiam ser removidas por se encaixarem no conceito de bullying de algumas plataformas. Ao mesmo tempo, nossa forma de compreender ataques, ou seja, conteúdos que devem ser eliminados das redes sociais, se alinhava mais propriamente às compreensões do que seriam discursos de ódio nas políticas das plataformas. O fenômeno da violência política combina as definições de discurso de ódio e bullying?
Tanto discurso de ódio quanto bullying são termos guarda-chuvas que buscam dar conta de diferentes tipos de discursos violentos que podem estar presentes nas plataformas. A violência política, teoricamente, estaria coberta, então, por políticas que existem nos termos de uso de várias das plataformas? Não é tão simples. Políticas como essas são pensadas para contextos globais, mas contextos locais impõem a necessidade de outros tipos de observações do que está ocorrendo socialmente.
Ofensas morais são um ótimo exemplo para se pensar. O momento político vivido no Brasil demonstra que ofensas articuladas a olhares morais sobre determinadas pessoas, especialmente aquelas que fazem parte de populações historicamente subalternizadas, podem ter como consequência danos irreversíveis em suas vidas, levando ao silenciamento de candidatas ou a retirada de espaços políticos. Ofensas morais, não raro, vêm acompanhadas de outros significados sociais, e aqui reside a nossa preocupação de que políticas já existentes não deem conta da complexidade da violência política. Uma candidata do interior do país chamada de drogada sofrerá o mesmo impacto de um candidato de um nicho progressista de uma metrópole chamado de maconheiro? Os significados de ofensas morais variam de acordo com aquele ou aquela que o recebe. Nesse sentido, eleger novos conceitos e significados de violência que estejam atrelados a contextos específicos parece ser fundamental.
Em suma, questionamos quais os riscos de ofensas morais entrarem nos critérios de conteúdos que devem ser removidos pelas plataformas. Para conseguir abarcar ofensas morais entre ataques, seria o caso de termos uma política específica sobre violência política? Como observar, caso essa política seja criada, se ela está sendo aplicada? As políticas de bullying e discurso de ódio existentes conseguem mitigar os efeitos da violência política? Essas são respostas difíceis se não temos acesso a dados que nos permitam fazer essas análises, e/ou se não contamos com transparência de como esses temas têm sido tratados pelas plataformas em que candidatas(os) e eleitoras(es) estão presentes.