Uma legislação ainda insuficiente
Apesar da indiscutível conquista a partir da promulgação de uma Lei destinada a olhar e cuidar especificamente das candidaturas de mulheres, com intuito de assegurar o espaço dessa parcela da população nos pleitos eleitorais, tornou-se evidente que o cenário atual não corrobora com a efetividade pretendida.
A pluralidade de canais aptos a receber denúncias de violação da legislação dispersa notícias de crimes por parte das vítimas. A consequência é o atraso na instauração e andamento de investigações durante o curto período eleitoral.
As vítimas, por sua vez, nem sempre tem ferramentas — emocionais, jurídicas e de conhecimento sobre a lei — para reconhecer que a violência sofrida pode ser enquadrada como violência política de gênero. Ainda, mesmo aquelas que entendem que sofreram uma violência política, elas não necessariamente encontram a motivação necessária para denunciar seus ofensores, seja por falta de conhecimento dos canais adequados, ou por medo das consequências de tais atos. Essa inércia fica evidente quando comparamos a quantidade de ataques às mulheres candidatas em redes sociais durante o período eleitoral e o número mínimo de denúncias realizadas frente ao Ministério Público Eleitoral.
O levantamento também evidenciou a variedade de entendimentos da Justiça Eleitoral sobre casos de violência política de gênero, seja para entender os limites de sua competência, ou para identificar a subjetividade comum aos casos. A equidade buscada através da Lei 14.192/21 é justamente em decorrência da diferença em razão de gênero estruturalmente construída na sociedade e que, em geral, não será tão óbvia como nos casos de crimes não motivados por gênero, raça ou etnia.
O atual procedimento adia o desfecho dos casos que envolvem a violência política em razão de gênero, o que explica a existência de 62 denúncias perante o Ministério Público Federal, desconsiderados eventuais casos denunciados perante os MPs das 27 Zonas Eleitorais brasileiras, em comparação com a identificação de apenas 12 casos na Justiça Eleitoral. Como podemos ver nas decisões estudadas, a competência para propositura de ação perante a Justiça Eleitoral é pública e incondicionada ao Ministério Público. Porém, para que um caso chegue nessa fase, é necessário que o próprio MP conclua a investigação.
Não identificamos casos entre 16 de agosto de 2022 e 30 de outubro de 2022 (período eleitoral do ano de 2022) cuja investigação tenha sido concluída e ensejando ação penal eleitoral perante a justiça. Ou seja, ainda que as vítimas tenham denunciado as eventuais violências sofridas no período eleitoral de 2022, nenhuma delas terá efetivamente o amparo legal trazido pela Lei 14.192/21, pois o procedimento atual não é célere o suficiente para assegura-lo.
Se o tipo penal trazido pela legislação tem como objetivo reprimir violências em razão de gênero que dificultem a candidatura e exercício de cargo eletivo por mulheres, esse objetivo não tem sido alcançado pelas vias disponíveis, vez que uma decisão proferida após o período eleitoral, ou a simples abertura de denúncia sem qualquer desfecho perante o MPF, não são capazes de impedir os efeitos da violência. Nesse sentido, a lei pouco apoia a paridade do número de mulheres nos cargos eletivos, já que seus efeitos só terão repercussão prática apenas em um próximo período eleitoral.
Além disso, se as ações deste tipo penal são classificadas de competência pública e incondicionada ao MP, é necessário o investimento, ao menos em período eleitoral, em equipes maiores, possibilitando assim uma fiscalização constante, focada e proativa, assegurando a rápida identificação de casos e promovendo a celeridade no curso e desfecho de investigações. Isso porque, a lei estabelece em seu art. 2º, parágrafo único que, “as autoridades competentes priorizarão o imediato exercício do direito violado, conferindo especial importância às declarações da vítima e aos elementos indiciários”.