“Você é uma vergonha”: as diversas narrativas em diferentes contextos
O uso da expressão “você é uma vergonha” atravessou várias coletas, sendo frequente a ponto de se tornar uma categoria de codificação de ofensas. Ela aparece em diferentes contextos, entre os quais “você é uma vergonha para os negros”; “você é uma vergonha para as mulheres”, etc.
Quando o usuário apenas dizia que a candidata era “uma vergonha” ou “tenho vergonha de você”, consideramos o conteúdo como insulto. Em outras palavras, não achávamos que necessariamente deveria ser retirado das plataformas. Por outro lado, quando se fazia alegações do tipo “você é uma vergonha para as mulheres”, compreendíamos que a vergonha se associava com expectativas de gênero, portanto, tinha peso semelhante ao “você é uma vergonha para os negros” mencionado acima, o que nos fazia categorizar como ataque.
No caso de Simone Tebet (PMDB), as expressões foram principalmente “VCS são a vergonha desse país🤬”, “Vergonha nacional”, “A senhora é uma vergonha”, “vergonha para as mulheres”, “vergonha nacional”. Ao lado de Soraya Thronicke (União Brasil), Tebet foi citada em 1.050 tuítes com a frase “você é uma vergonha”.
No Twitter, apareceram variações como “que vergonha você é para o MT”, “a senhora é uma vergonha no Senado” e “você envergonha as mulheres”. Parte dos ataques que questionaram a representação das senadoras usaram o próprio gênero para autorizar a crítica: “sou mulher e você não me representa”.
Aqui, temos novamente a contraposição entre ser mulher e não reconhecer na outra representação. Dizer que alguém não nos representa não traz nenhum tipo de ofensa, ou seja, não é ataque ou insulto. Entretanto, a narrativa em si busca deslegitimar que uma candidata mulher se coloque como “representante das mulheres”. É interessante perceber como, em diferentes contextos, o gênero atravessa os debates políticos que se colocam nas redes sociais.
Vale lembrar que a narrativa da vergonha não se deu sem contexto. Durante o debate presidencial do dia 28 de agosto 2022, na TV Band — em pool com TV Cultura, UOL e Folha de São Paulo, o então candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), atacou a jornalista Vera Magalhães, após a profissional citar a propaganda de desinformação praticada por ele durante a pandemia de Codiv-19. Ofendido, o ex-presidente disse:
“Vera, não podia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Deve ter alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido em um debate. Uma vergonha para o jornalismo brasileiro”.
Diante do ataque de Bolsonaro, buscamos olhar para os conteúdos e entender se havia uma relação direta entre como Bolsonaro se dirige às mulheres e como os insultos e ataques aconteciam nas redes sociais posteriormente. Acessar o mecanismo da vergonha é uma prática comum nos ataques misóginos, segundo a pesquisadora Sarah Sobieraj, presidente do Departamento de Sociologia da Universidade de Tufts (EUA) e professora associada na Universidade de Harvard. Em artigo que reúne 38 entrevistas em profundidade a mulheres com forte presença digital, ela identificou o shaming [envergonhar] entre as três principais práticas de violência de gênero online, somado ao descrédito e à intimidação, principalmente de cunho sexual.
De certo modo, podemos associar o shaming ao descrédito, visto que alegações como “você é uma vergonha” muitas vezes são associadas a argumentos do tipo “você não vale nada”, o que também é um demérito. Quando observamos os tuítes que marcavam a @ de Simone Tebet e Soraya Thronicke, nos dias 28 e 29 de agosto, logo depois do debate mencionado acima, encontramos mais de 500 tweets se referindo às candidatas como incompetentes, despreparadas, incapazes, insignificantes, oportunistas, aproveitadoras, burras ou idiotas. Além disso, 31% das publicações ofensivas mencionavam Vera Magalhães, e 215 delas atacam a jornalista diretamente usando adjetivos pejorativos e trocadilhos.