Plataformas e Provedores de Aplicação de Internet

Plataformas e Provedores de Aplicação de Internet

A violência política contra mulheres e contra grupos historicamente minorizados permeia o ambiente político e eleitoral, minando a participação e a diversidade de vozes nas instituições brasileiras. Mesmo que a legislação brasileira, a atuação dos partidos e das plataformas venham avançando no debate e construção de regulamentações e boas práticas, há ainda um longo caminho a percorrer para o enfrentamento e mitigação da violência política de gênero.

Reunimos, a partir de um olhar direcionado aos grupos historicamente subalternizados, e com base nos dados coletados durante as eleições de 2022, 13 recomendações aos setores envolvidos que nos permitem vislumbrar um caminho de combate, prevenção e acompanhamento da violência política.

i) Compromisso com o desenvolvimento de políticas e diretrizes de uso protetivas em face da violência política

A violência política de gênero e contra grupos historicamente marginalizados na internet envolve a combinação de múltiplos fatores, como discursos de ódio, discriminações, garantias democráticas, contextos eleitorais específicos e disputas políticas entre diferentes atores. Nesse contexto, a construção de políticas e diretrizes de uso que almejam combater e prevenir a violência política na internet precisam considerar todas as variáveis relacionadas a esse tipo específico de violência, como ela circula na internet, como impacta as candidaturas e a atuação político-eleitoral dos grupos afetados. Muitas vezes, as políticas de discursos de ódio, bullying e até mesmo de integridade eleitoral não dão conta desses diversos aspectos que circundam a violência política.

Recomendamos, portanto, que sejam desenvolvidas políticas e diretrizes de uso específicas para violência política que considerem:

  1. As diferenças entre os tipos de conteúdo ofensivo direcionados às/aos candidatas/os, com distinções contextuais em relação ao que é considerado pelas plataformas como linguagem hostil, que não infringe as políticas internas, e o que é compreendido como conteúdos agressivos que não podem ser tolerados. Temos como exemplo a diferenciação proposta neste relatório entre insultos e ataques;
  2. Os contextos políticos e eleitorais locais, de forma que os parâmetros em relação ao tipo de conteúdo que configure ou não violência política sejam localizados e específicos, em relação ao país e/ou região;
  3. A construção de respostas rápidas e eficientes, frente à possibilidade de massificação de conteúdos hostis direcionados a grupos historicamente marginalizados, durante períodos mais críticos, como as campanhas eleitorais. Isso pode acontecer não apenas com conteúdos considerados ataques, mas também com aqueles considerados hostis, gerando, de qualquer maneira, danos às candidaturas envolvidas;
  4. A necessidade da construção de políticas específicas para o enfrentamento à violência política, em diálogo com a sociedade civil e com a academia, que podem oferecer subsídio sobre o contexto local, sobre as mudanças políticas em cursos nos países e regiões, e as especificidades das diferentes formas de discriminação. Aqui, é preciso atentar para o modo como as relações são estabelecidas entre plataformas, organizações da sociedade civil e academia. É necessário pensar em relações que tragam ganhos para todas as partes. Deve haver  acesso a dados ou justificativas para retirada ou não de um conteúdo da plataforma, por exemplo, são pontos que podem ser apreciados. Além disso, deve haver financiamento para  pesquisas e  diálogo recorrente, não só em períodos eleitorais;
  5. A transparência sobre os critérios das plataformas para classificação de diferentes tipos de violência política e práticas de proteção direcionadas a grupos historicamente marginalizados;
  6. A necessidade de compreender o enfrentamento à violência política de gênero para além de práticas de moderação de conteúdo, com a inclusão de previsões sobre educação midiática, como por exemplo produção de cartilhas educacionais sobre aspectos práticos para conter violência política contra grupos minorizados; e
  7. A compreensão de que a violência política deve ser enfrentada como um fenômeno constante, que não ocorre apenas em decorrência das eleições. O acompanhamento de parlamentares, principalmente aquelas e aqueles advindos de grupos historicamente marginalizados, deve ser constante, assim como a aplicação de políticas focadas em combater e mitigar a violência política.

ii) Aprimoramento das práticas de acesso a dados e de transparência para pesquisadoras/es

Compreender as formas como a violência política acontece na internet, durante as eleições ou em outros períodos, exige a colaboração entre pesquisadoras(es), plataformas e poder público. Práticas de transparência e de acesso a dados, concedidos pelas plataformas, são parte essencial para a construção de diagnósticos, avaliações, comparações e recomendações para o enfrentamento à violência.

A violência de gênero e violências contra grupos historicamente marginalizados nas redes sociais são fatos já amplamente conhecidos pelas(os) pesquisadoras(es), seja por pesquisas anteriores, seja pela experiência empírica. No entanto, as informações detalhadas sobre como essas violências ocorrem e como as plataformas moderam os conteúdos ofensivos ainda é, em grande parte, uma incógnita. O motivo dessa dificuldade está relacionado a limitações no acesso aos dados das plataformas digitais. A falta de medidas de transparência significativas e de práticas de acesso a dados para pesquisa são um óbice para o avanço na produção científica sobre violências online e para a articulação da sociedade civil.  

Para além de dados quantitativos, é fundamental que as práticas de transparência e acesso a dados estenda-se a outros aspectos da plataforma, como contato, reuniões e entrevistas com as equipes de moderação de conteúdo, de direitos humanos e de políticas públicas das plataformas, acesso a políticas internas, critérios de moderação de conteúdo, entre outras.

Assim, para a garantia da transparência e da liberdade acadêmica e de conhecimento, recomendamos que as plataformas construam e apliquem políticas e programas de acesso a dados para pesquisadoras/es. Conhecer de forma mais profunda as dinâmicas de violência que ocorrem e os critérios de tomada de decisão das equipes das plataformas nos permitem contribuir, inclusive, para a mitigação e enfrentamento da violência política em outros setores sociais.

iii) Compromisso com a aplicação protetiva e a transparência das políticas e diretrizes de uso

Para o enfrentamento aos discursos violentos online, especialmente durante o período eleitoral, é essencial que plataformas e provedores de aplicação de internet atuem de forma ágil e pró-ativa na moderação de conteúdos violentos, com uma aplicação célere das políticas de discurso de ódio, bullying e das políticas de integridade eleitoral.

Vale reforçar que, além da remoção de conteúdos que infrinjam os termos de uso das plataformas, é essencial que haja mais transparência sobre os procedimentos ligados à moderação de conteúdo. Recomenda-se que as plataformas informem os procedimentos decisórios para a remoção de um conteúdo, com as razões da decisão, comunicando a quem teve o conteúdo removido as políticas violadas por aquele conteúdo. Ainda, recomenda-se que as plataformas tenham instâncias recursais para a contestação da moderação do conteúdo.

Sugerimos, também, que as plataformas informem em seus relatórios de transparência a quantidade, a razão para remoção e o tipo de conteúdos removidos durante o período eleitoral. Além disso, sugerimos que também seja qualitativamente explicada a  atuação da plataforma para o enfrentamento a discursos violentos. E, sejam em eleições gerais ou em eleições municipais, que esses dados estejam separados por  região do país.

iv) Aprimoramento de políticas destinadas a pessoas públicas e a pessoas com cargos políticos

As políticas das plataformas destinadas a figuras públicas, especialmente a figuras detentoras de cargos e funções políticas, permitem a publicação de comentários mais críticos direcionados a essas pessoas em nome do interesse público, desde que não sejam gravemente abusivos. A postura mais permissiva em relação a pessoas com cargos políticos justifica-se como uma forma de garantir a liberdade no debate público e permitir que as/os eleitoras/es e cidadã/os possam cobrar as pessoas que atuam politicamente.

Por outro lado, um espaço mais hostil para figuras políticas, em razão de seu cargo público, pode significar uma barreira ainda maior à participação democrática de grupos historicamente marginalizados. Por exemplo, ofensas morais que isoladamente não sejam gravemente abusivas e, por isso, poderiam ser permitidas pelas plataformas, ao serem repetidas massivamente, podem ter um impacto muito negativo e abusivo, tão grave quanto ataques diretos.

Se pessoas com cargos políticos receberão uma atenção diferenciada em razão de sua função pública, é preciso que a moderação de conteúdos hostis direcionadas a esse público leve em consideração as diferenças entre os diversos grupos de pessoas que detém cargos públicos e os diferentes contextos políticos. Assim, é preciso que as políticas das plataformas não se restrinjam apenas às palavras ofensivas ou aos conteúdos postados, mas observem também dinâmicas mais amplas e potenciais ofensivos daquele conteúdo, analisando quão massivos são os ataques e insultos, bem como as narrativas mobilizadas. As plataformas podem, por exemplo, monitorar candidatas/os e políticas/os para analisar casos em que insultos são massificados, quando há ondas de ofensas direcionadas a essas pessoas, que se diferem dos padrões diários de mensagens/postagens recebidas pela figura pública. Esse monitoramento permite, por exemplo, uma análise mais detalhada, para compreender se o conteúdo é legítimo ou se trata de um ataque massificado, que deve ser removido da plataforma. Ainda, é essencial que esse tipo de monitoramento leve em consideração os diferentes grupos sociais atingidos por insultos massificados ou ataques, na medida em que grupos historicamente marginalizados, como mulheres, pessoas LGBTQIAP+, negras e com deficiência, estão mais vulneráveis, e o ambiente hostil pode afastá-las/os do debate político-eleitoral.

Vale ressaltar que a atenção aos conteúdos publicados por pessoas em cargos públicos e figuras públicas deve identificar  quando elas produzem e divulgam conteúdo violento, especialmente direcionado a grupos historicamente marginalizados. O alcance de um conteúdo com violência política publicado por pessoas públicas pode ser significativamente maior, e gerar uma massificação de ataques e insultos a candidaturas de mulheres e de grupos minorizados.

v) Aprimoramento dos canais de denúncias internos das plataformas

Os canais de denúncia das plataformas são fundamentais para que as/os candidatas/os e usuárias/os possam agir ativamente para remover conteúdos violentos e se protegerem de abusos e assédios online. Recomendamos que, para um funcionamento mais eficiente e protetivo, os canais de denúncias incluam:

  1. A priorização  de denúncias com base em risco de dano, com uso de inteligência artificial para dar celeridade à aplicação das políticas.  ;
  2. Permissão para denúncia de múltiplos conteúdos simultaneamente; e
  3. Inclusão da categoria de violência política e de discurso de ódio contra grupos historicamente marginalizado como itens específicos de denúncia, para facilitar a identificação, combate e prevenção à violência política contra grupos historicamente marginalizados.