O que define uma figura como pública?

Algumas plataformas digitais, como no caso do Twitter e do TikTok, consideram que figuras públicas devem ter suas páginas observadas a partir de outras lentes. Perfis de figuras públicas, desse ponto de vista, precisam ser mais tolerantes a conteúdos hostis.

O que define, no entanto, uma pessoa como pública? A quantidade de seguidores? O engajamento que suas páginas atingem? Ter ou não um selo de verificação? Além das perguntas em torno da própria classificação de quem pode ser considerado uma figura pública, podemos também nos questionar se:

i) As(os) políticas(os) devem ser inseridas(os) na mesma lógica que outras figuras públicas?

ii) Pessoas que fazem parte de famílias de políticas(os) devem ser entendidas como figuras públicas?

iii) Qual  peso os marcadores sociais da diferença, como gênero, raça, etnia, religião e sexualidade, devem ter na definição do olhar para figuras públicas e/ou políticas nas redes sociais?

Aparentemente, pessoas que assumem a vida política podem ser tratadas como figuras públicas pelas plataformas, assim como jogadores de futebol. Há aqui, no entanto, uma questão que deve ser levantada: assumido um cargo público, a influência social de uma personalidade que atua na política é a mesma de uma pessoa que compete em esportes profissionalmente? Sabemos que não. A aplicação dos próprios termos de uso das plataformas, no caso de presidentes, por exemplo, tende a ser mais flexível para uns do que para outros chefes de Estado. Vejamos os casos de informações falsas sobre COVID-19 e quanto tempo algumas plataformas levaram para agir quando a desinformação vinha de um líder político do Sul Global, em comparação com informações que vinham de líderes do Norte Global. O problema era semelhante, a busca por uma solução levava mais tempo em um caso do que em outro.

Ainda, diferentemente de outras figuras públicas, pessoas que se candidatam ou que atuam na política institucional ocupam um lugar central no próprio funcionamento da democracia. Políticas(os) e candidatas(os) têm deveres, poderes e responsabilidades que derivam de sua participação na estrutura da democracia. Essas obrigações e responsabilidades relacionadas aos cargos públicos não se assemelham às obrigações democráticas de outras figuras públicas. Nesse sentido, não parece que ambas as categorias devem estar sujeitas às mesmas regras, na medida que os impactos para cada uma dessas categorias têm impactos diferentes para o espaço democrático. Assim, um espaço político hostil pode significar, nesse contexto, uma barreira ainda maior à participação democrática de grupos historicamente marginalizados, que podem ser alvos mais vulneráveis à hostilidade nas redes.

O critério de incluir pessoas com cargos políticos como figuras públicas parece algo bastante problemático. Existe outro ponto que precisa ser levantado: quando um sujeito de um grupo historicamente marginalizado é também uma figura pública, nos termos das plataformas, a permissão para que seu perfil e/ou página sejam mais hostilizadas não implica também a aceitação de que é legítimo tratar pessoas pertencentes a populações historicamente marginalizadas de forma hostil? Uma candidata trans, que é uma figura pública, nos termos das plataformas, poder ser mais ofendida do que uma mulher trans que não é uma figura pública, não dá a entender que é válido tratar pessoas trans em geral assim? A classificação simples de quem é ou não é figura pública, e como esses perfis estarão mais abertos a insultos e/ou ataques, é por si só bastante controversa.

Ademais, no caso da violência política direcionada a pessoas políticas, é preciso considerar que as pessoas vitimadas por esse fenômeno social não se restringem àquelas que concorrem diretamente a cargos políticos. Há aqueles(as) vítimas indiretas da violência política: filhas(os), maridos, familiares em geral, amigos e esposas de personalidades políticas também podem ser atingidos indiretamente. Ao ser cônjuge de um(a) candidato(a), eu também devo ser tratada a partir da política que as plataformas direcionam para aqueles(as) que são considerados(as) figuras públicas?

Aqui, cada caso parece ser um caso.

Consideremos dois diferentes contextos. No primeiro deles, temos uma eleição municipal. Quem está concorrendo é um candidato muito popular na cidade, mas que é casado com uma mulher bastante distante da vida política. Ela apenas o acompanha em algumas situações, mas nunca toma a fala, suas redes sociais são fechadas e, nelas, os conteúdos políticos se fazem quase completamente ausentes. No segundo caso, temos uma candidata concorrendo às eleições gerais. A possível primeira-dama atua ativamente nos espaços de campanha, usando inclusive suas redes para ajudar sua esposa.  

Pensar nos dois casos ilumina um critério de saída: nem sempre um parente ou cônjuge de uma figura política se coloca socialmente enquanto personalidade política. Os critérios de definição de ataques e insultos que postulamos nesta edição do MonitorA, portanto, não se aplicariam para a pessoa que não é uma figura política, apenas para aquela que é.

Ao olhar para os perfis de Janja Lula da Silva, atual primeira-dama, no Twitter e no Instagram, e para o perfil de Michelle Bolsonaro, esposa do ex-presidente Jair Bolsonaro, no Instagram, tivemos dúvidas se devíamos pensá-las como pensamos nos candidatos e candidatas. As primeiras questões foram: ofensas como “ladra” e “corrupta” deveriam ser tratados como insultos - o que estávamos fazendo em relação às(aos) candidatas(os) - ou como ataques? Em um primeiro momento, consideramos que não, Janja e Michelle não deveriam ser medidas com a mesma régua que usamos para a lista de perfis monitorados.

Passados alguns meses desde que tomamos essa decisão, percebemos que considerar Janja e Michelle como figuras públicas não implicava dizer que todas as postulantes à primeira-dama deveriam ser tratadas da mesma forma. Estas duas, especificamente, são figuras públicas, atuaram ativamente em campanhas, fazendo, inclusive, comícios sozinhas. Se existe uma forma de pensar seus maridos e outras candidatas, esse modo deveria ser também aplicado a elas.

Dizer isso, no entanto, não anula os seguintes fatos:

i) a noção de figuras públicas que trata cantoras(es) famosas(os) e pessoas que atuam na política institucional do mesmo modo não parece fazer sentido;

ii) as formulações de insultos e ataques que fizemos aqui são direcionados a candidatas(os) e pessoas políticas que atuam ativamente na esfera pública;

iii) políticas pensadas para personalidades públicas e/ou políticas devem considerar que essas pessoas podem pertencer a grupos historicamente marginalizados, o que significa que um olhar adequado para as consequências da violência política nesses sujeitos também deve ser considerado.


3. Ver mais em: “Sobre as exceções devido ao interesse público no Twitter”: https://help.twitter.com/pt/rules-and-policies/public-interest

4. “Comportamento abusivo: Removeremos expressões de abuso, incluindo ameaças ou declarações degradantes destinadas a ridicularizar, humilhar, constranger, intimidar ou magoar um indivíduo. Essa proibição também se aplica à utilização de recursos do TikTok. Para permitir a expressão sobre questões de interesse público, comentários críticos a respeito de figuras públicas podem ser permitidos; contudo, estão proibidos comportamentos abusivos graves contra personalidades públicas.” Disponível em: https://www.tiktok.com/community-gui

5. Ver mais em: “Nossa abordagem para conteúdo interessante” https://transparency.fb.com/pt-br/features/approach-to-newsworthy-content/