Denúncias sob investigação no Ministério Público
Em decorrência do baixo número de processos judiciais relacionados à violência política de gênero, buscamos entender os motivos para tal resultado. Além das conversas com o Grupo de Trabalho de Combate à Violência Política de Gênero (GTCVPG), obtivemos informações do Ministério Público sobre as denúncias que estavam sendo investigadas em âmbito administrativo.
Em conversas com a coordenadora do GTCVPG, Raquel Branquinho, a procuradora reconheceu que ainda há falhas em identificar e tratar as denúncias de violência política de gênero por parte dos Ministérios Públicos de todos os estados, e que a Secretaria da Mulher tem sido essencial para pressionar a atuação e resolução destes casos. Nesse sentido, enfatizou a importância de que as denúncias sejam apresentadas pelos canais corretos para que sejam recebidas e tratadas com agilidade, ainda durante o período eleitoral.
O encontro com Branquinho contribuiu para compreender os resultados obtidos pela coleta de dados. E, diante das informações provenientes desta reunião, optou-se por enviar uma solicitação de informações ao Ministério Público Federal sobre o número de denúncias envolvendo violência política em razão de gênero.
Em ofício ao Ministério Público Federal, solicitamos informações sobre o número de denúncias envolvendo o tema de violência política em razão de gênero. Em resposta, recebemos um relatório que identificava a existência de 62 casos sendo investigados pelo MPF. A relação não considerava casos que pudessem estar circulando nos Ministérios Públicos Eleitorais dos estados e que ainda não haviam alcançado o MPF.
Cabe ressaltar que estas denúncias não se enquadram no escopo da pesquisa, dado que ainda estavam sob investigação, isto é, ainda não havia denúncia em âmbito judicial. Apesar de não haver formas de acompanhar estes casos, vale ressaltar algumas informações relevantes do relatório.
As denúncias eram classificadas segundo 5 tipos de violência, como descreve a cartilha produzida pelo GTCVPG sobre violência política contra as mulheres:
- Física: como lesões corporais; prisão arbitrária; tortura; maus-tratos; e feminicídio;
- Moral: associada a crimes contra a honra, como difamação, calúnia e injúria.
- Econômica e estrutural: como danos à propriedade, privação de recursos de campanha por recusa de acesso ou desvio, extorsão; associada a ausência de repasse de recursos do Fundo Partidário (FP) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), em especial diante da cota de gênero e cota racial; da não veiculação de propaganda eleitoral gratuita em rádio ou TV;
- Psicológica: associada a violação da intimidade, isolamento, ameaça contra a vítima, a membro da família ou pessoa próxima, humilhação, manipulação;
- Simbólica: como intimidação, silenciamento, desmerecimento, uso de linguagem excludente, restrição do uso da palavra, imposição de tarefas estranhas ao cargo, restrição do acesso à Justiça, omissão de informações, questionamentos sobre roupas, aparência, peso, vida pessoal e sexualidade, ausência de assento próprio nos parlamentos.
A maioria dos casos denunciados envolviam mais de um tipo de violência, conforme descreve a tabela abaixo:
Embora a maioria dos casos poderia se enquadrar no que a Lei 14.192/2021 define como violência política de gênero, estes estão sob investigação no Ministério Público. Não foram encontrados canais que possibilitem o acompanhamento de processos perante o MP, de forma que a análise pretendida restou prejudicada.
Os casos analisados nesta pesquisa limitam-se àqueles ajuizados durante o período de campanha eleitoral de 2022. Contudo, outros casos já estavam tramitando na justiça antes do período eleitoral, e são relevantes para analisar a aplicabilidade da legislação que protege os direitos políticos de candidatas. Destacamos, aqui, quatro deles, ainda em fase de investigação:
i. Deputada Benny Briolly
Tramita no TRE-RJ uma ação penal proposta pela deputada Benny Briolly (nº 0600472-46.2022.6.19.0000). A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público Eleitoral contra o Deputado Estadual Rodrigo Martins Pires de Amorim. O MP traz à Justiça Eleitoral ataques realizados pelo denunciado em sessão pública extraordinária da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) transmitida ao vivo pelo canal do YouTube. Os ataques ocorreram logo após outra deputada prestar homenagens pela morte de mulheres trans e trazer à pauta assuntos envolvendo a comunidade LGBTQIAPN+. O MP ofereceu a denúncia com incurso nas penas do artigo 326-B c/c artigo 327, incisos II, III e V do Código Eleitoral. A denúncia foi recebida e a vítima inserida no polo ativo como assistente de acusação. Os ataques à vítima continuaram também via e-mail, de modo a tentar inibi-la de prosseguir com a ação. Atualmente o procedimento se encontra em fase de instrução probatória e ainda não teve desfecho.
ii. Deputada Monica Cristina Seixas Bonfim
No TRE-SP, tramita denúncia enviada pelo Ministério Público contra o então deputado estadual Wellington de Souza Moura em razão de crime de violência previsto no art. 326-B do Código Eleitoral contra a deputada Monica Cristina Seixas Bonfim. A Procuradoria narra que o fato ocorreu durante a 13ª sessão extraordinária da Assembleia Legislativa de São Paulo. O denunciado, referindo-se à deputada, diz que “sempre colocaria um cabresto em sua boca” quando ele estivesse presidindo a sessão, e que faria isso “em todas as vezes em que fosse presidente”. Até o momento, não houve apresentação da defesa, portanto, o procedimento ainda não conta com um desfecho.
iii. Deputada Sâmia Bomfim
A deputada federal Sâmia Bomfim entrou com notícia crime perante a Superintendência Regional da Polícia Federal de São Paulo com fundamentação nos crimes de injúria, difamação e de perseguição, tipificados nos arts. 139, 140 e 147-A, do Código Penal, e no art. 326-B, do Código Eleitoral. A notícia crime expõe publicações feitas em website do Wordpress cuja manchete trazia a seguinte redação: “Sâmia Bomfim, não te estupro porque você não merece” (SUBMETRALHADORA FN P90: A SOLUÇÃO PARA SAMIA BOMFIM, 2022). O caso ainda se encontra em fase de investigação, portanto, ainda não foi apresentado àJustiça Eleitoral.
iv. Deputada Érika Hilton
O último caso que destacamos envolve a atual deputada federal Érika Hilton. Na época do caso, a então vereadora em São Paulo registrou boletim de ocorrência e representação criminal contra uma mulher após ser ameaçada de morte. Segundo notícia veiculada na Folha de S.Paulo, a autora da ameaça usou adjetivos pejorativos e transfóbicos como "satanás do inferno" e "traveco", dizendo que "Você nunca deveria nem ter sido parido de sua mãe", e “prometeu degolar a parlamentar e atear fogo em sua residência e em seu corpo”. O caso ainda não teve a investigação finalizada , logo, ainda não foi apresentado à Justiça Eleitoral e não tem desfecho.